Qual e quando será o fim da era Romanov?

A corrupção e uso indevido de poder devem ser fiscalizados e punidos com a mesma firmeza do braço que se ergue para defender a democracia.

30 de dez de 2022
Ilustração Romanov

Há lições políticas importantes a retirar da História da Europa: na Rússia czarista do início do séc. XX, casos e casinhos de abuso de poder, negligência administrativa, despreparo para governar, falta de ética e uma alienação insensível para com os graves problemas sociais de um povo empobrecido e estagnado, transformaram rapidamente uma coroação com massas efusivas do czar Nicolau II numa profunda indignação e revolta generalizadas.

Os Romanov viveram uma aristocracia rosa distantes da miséria social e económica do país, assegurados pelo poder absoluto e sem qualquer noção de injustiça e das consequências políticas que poderiam estar a alimentar. A história terminou terrivelmente mal para os Romanov (com o fuzilamento violento de toda a família real), e para a Rússia, que apesar de se ter desfeito desse regime autoritário entrou pela força noutro, inaugurando o primeiro regime constitucionalmente comunista do mundo, também ele totalitário e imperialista.

11 saídas de governo em 9 meses.

Em Portugal em 2022 tudo era para ser diferente, no entanto, também sofremos de inúmeros e penosamente regulares casos e casinhos que estão a amplificar um sentimento de vergonha, indignação e descrédito coletivo dos cidadãos neste governo e possivelmente nos méritos da democracia liberal.

O caso de Alexandra Reis toca numa das maiores feridas abertas do país com indeléveis responsabilidades deste governo: a nacionalização da TAP. 

A TAP foi “salva” da insolvência pelos contribuintes, por 3.2 mil milhões de euros, equivalente a 20% do PRR, num país com uma dívida soberana de 126% do PIB, 4.4 milhões de pessoas em risco de pobreza, com crónicos baixos salários sufocados pelo 6º maior esforço fiscal da UE. É neste contexto que Alexandra Reis, administradora Romanov da TAP, pede uma indemnização de rescisão de quase 1.5 milhões de euros, e que lhe é concedida no valor de 500 mil.  

Em plena fase de reestruturação, a administração Romanov da TAP, decidiu investir numa nova sede, nova frota executiva e na contratação de amigos pessoais da CEO com nenhuma experiência relevante para cargos de direção perante o despedimento de milhares de funcionários, cortes salariais de 25%, aumentos tarifários para passageiros e injeções de dinheiro dos contribuintes de um Estado endividado. 

A esta gestão Romanov ainda se soma mentir sobre a rescisão à CMVM, ao público em geral, aos acionistas, aos potenciais investidores e ao governo. A informação de que Alexandra Reis se teria demitido pressupõe a todos eles que não havia direito a indemnizações avultadas, como é habitual nestes casos.

Não devem haver disposições contratuais que permitam indemnizações de rescisão em cargos de confiança política dada a natureza transitória de quem os ocupa. 

Salvar a democracia dos Romanov e de quem a quer fuzilar

Num momento em que existe em Portugal um partido antidemocrático em ascensão que se alimenta destes casos e casinhos, sabemos que esta incúria é uma verdadeira ameaça para um tesouro ainda maior que o uso responsável de dinheiros públicos: a democracia e os cravos da vitória da liberdade.

O Inquérito de Satisfação Global com a Democracia de 2020 é revelador de uma falta de confiança e insatisfação com os governos. “Se a satisfação com a democracia está agora a diminuir em muitas das maiores democracias do mundo […] é porque as instituições democráticas estão a ficar aquém dos resultados que mais importam para a sua legitimidade", conclui o relatório. Entre eles a “capacidade de resposta às preocupações do público, o aumento do nível de vida para a grande maioria da sociedade e a idoneidade dos titulares de cargos públicos”.

Inspirado pela política do Volt de combate à corrupção e portas giratórias nas instituições europeias recomendadas pela Transparency International, o Volt defende em Portugal:

- a criação de períodos de cooling-off (impedimento de exercer funções remuneradas com conflito de interesses) até 24 meses, após o exercício de cargos públicos.

- reforço de poderes legais aos comitês de ética que escrutinam conflitos de interesses de forma transparente e geram riscos reputacionais e judiciais reais.

- pesadas consequências sancionatórias em caso de abuso

Portugal precisa de renovação da classe política

Novas pessoas, novos projetos políticos, novas formas de estar ao serviço público e, diferente dos Romanov, de uma renovada democracia, que se fortalece com as aprendizagens destes abusos e assegura liberdade e responsabilidade pública para as futuras gerações. A indignação dos casos e casinhos de 2022 deve-nos envolver mais na política para defender o bom senso democrático e não deixá-la ainda mais nas mãos de quem, incautamente, se coloca a caminho do fim ou prestes a fuzilá-la.

Duarte Costa
Co-Presidente do Volt Portugal

Pedro Malheiro
Membro da Comissão Política do Volt Portugal
Coordenador do Governo Sombra