Orçamento do Estado à Lupa
O Orçamento do Estado (OE) de 2021 é apresentado num contexto de crise económica aguda e a braços com uma emergência sanitária sem precedentes na história recente. A economia portuguesa está em contração, com as estimativas a apontar para uma recessão em 2020 de 8,5% em termos reais, a que o governo prevê que se siga um crescimento em 2021 de 5,4%.
O Volt não é insensível às enormes dificuldades que o país atravessa e ao enorme desafio de apresentar um Orçamento de Estado que dê resposta aos muitos problemas que o país enfrenta. No entanto, é necessário realçar que este OE apresenta poucas soluções para os vários problemas estruturais do país, ficando-se, na sua generalidade, por soluções imediatistas, em vez de propor medidas mais estratégicas.
Fruto de, ao longo dos últimos 20 anos, os sucessivos governos terem esticado o orçamento e o endividamento público até ao seu limite, não há agora grande margem para expandir a dívida pública de forma a absorver esta crise. O Governo viu-se, assim, obrigado a rejeitar a componente de empréstimos da “bazuca” europeia, apesar das suas condições favoráveis. Assim, o Governo apresentou um OE assente em mais Estado, aumentando substancialmente a despesa corrente primária, bem como o papel já preponderante do Estado na economia.
O Volt vê com enorme preocupação a expansão do governo para a esfera privada. Tememos o precedente que se pode gerar ao não se honrar o contrato feito com o Novo Banco, ruinoso que possa ter sido, e olhamos com receio para o caminho que se perspetiva para a nacionalização da TAP, justificada com a salvaguarda de empregos, fazendo uso de fundos europeus e com um custo adicional já anunciado de 500 milhões de euros. Ainda assim, contempla o corte de 1600 postos de trabalho e um foco ainda maior das operações no aeroporto de Lisboa, deixando sem resposta o resto do país.
A proposta de OE contempla um pacote modesto de apoio às pessoas e as famílias. Saudamos o aumento do salário mínimo nacional, o aumento das pensões até 1,5 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) e a redução do IVA na eletricidade até aos 100 kWh. No entanto, medidas como a redução da taxa de retenção na fonte de IRS e os IVAuchers são mais artifícios orçamentais do que medidas de alívio fiscal.
Para os trabalhadores, há uma positiva majoração do subsídio de desemprego, mas a lista de pequenos apoios extraordinários aos trabalhadores tem pouco impacto e ainda menor alcance estrutural. Grave, no entanto, é a continuação da defesa da precariedade e dos falsos recibos verdes, obrigando os Trabalhadores Independentes a dependerem de um mesmo cliente em mais de 50% da sua faturação para poderem beneficiar de apoios sociais.
Um orçamento que apresenta como um dos seus pontos “positivos” a ausência de aumento de impostos sobre as empresas diz mais do que nós poderíamos. O OE não contempla qualquer apoio relevante dirigido às empresas, ao investimento privado, à investigação e desenvolvimento ou às exportações, mas apenas uma devolução temporária de 10% dos custos incorridos em ações de promoção de exportações. Esta é uma falha gravíssima que precisa de ser abordada. É imperativo que se leve a cabo uma purga das 4300 taxas cobradas às empresas, um realinhamento dos níveis de IRC com os valores praticados no resto da Europa, um incentivo claro às atividades de investigação e desenvolvimento e da sua ligação à academia nacional, entre tantas outras medidas em falta.
Na saúde, ficou clara a necessidade de uma política global para o combate à pandemia e de um reforço da capacidade de cuidados de saúde em Portugal - não só através de mais recursos, mas também de novos modelos, mais eficazes e resilientes, assentes numa política articulada em redes nacionais e europeias, fazendo uso de tecnologias digitais e inovação e desenvolvendo estratégias mais estruturais de saúde pública.
Consideramos que o aumento do número de profissionais de saúde é fundamental, mas depois de falhado o mesmo objetivo em 2020, lamentamos que não haja uma estratégia clara para criar carreiras adequadas, atrair profissionais de saúde para o interior (onde existe uma maior carência) e compensar as saídas de profissionais do sistema público.
O Volt vê com enorme preocupação o ignorar da crise sanitária que atravessamos também ao nível de outras doenças, como as crónicas ou o cancro, com os milhares de consultas, exames e cirurgias em atraso. É essencial lançar um programa excecional de recuperação das listas de espera geradas pela COVID-19, que é neste momento o problema número um da saúde em Portugal. Precisamos de um verdadeiro investimento na prevenção de doenças, ao invés de o alocar apenas a hospitais destinados ao tratamento. A positiva preocupação com as equipas de saúde familiar, bem como a positiva capacitação destas na saúde mental e oral, necessita, porém, de um real investimento e de uma estratégia de promoção de saúde pública, através da prevenção e da promoção dos hábitos de vida saudável.
O Volt continua a notar uma falta apoios significativos à parentalidade e à natalidade. Os abonos de família, apesar de aumentados na passada legislatura, continuam a não ser materiais e a lei das licenças de parentalidade continua a ser discriminatória, não dando iguais direitos e deveres a ambos os progenitores.
Na educação, enaltecemos o investimento de 400 milhões de euros no programa de digitalização das escolas, embora nos pareça tardio, e a promoção do envolvimento das empresas e Comunidades Intermunicipais (CIMs) no ensino profissional. Preocupa-nos, ainda assim, que seja mais um orçamento de continuidade, que não apresenta qualquer reforma estrutural na Educação.
Remarcando como positivo que o 1º e 2º escalão de rendimentos passem a ter acesso gratuito a creches privadas, é imperativo que a Educação Pública comece à nascença. Por isso, é fundamental que se crie uma rede pública de berçários e creches que consiga dar resposta às necessidades das famílias. No Ensino Básico, urge repensar a forma como formamos as próximas gerações para os empregos de amanhã, mais digitais e mais competitivos. No Ensino Superior, é crucial fomentar uma integração próxima com as empresas, promovendo a investigação aplicada e garantindo que o conhecimento é integrado no tecido empresarial.
A cultura, setor tão fragilizado pela pandemia atual, vê alguns progressos no reconhecimento da profissionalização dos atores culturais e do mapeamento dos mesmos, dando-lhes uma maior visibilidade e dignidade. É de realçar também a criação, embora tardia, do estatuto profissional do trabalhador intermitente da cultura. O Volt reforça, no entanto, a necessidade de implementar medidas a longo prazo que possam reforçar um apoio financeiro mais autónomo e menos dependente de contribuições discricionárias estatais.
Concordamos e enaltecemos o compromisso de “erradicar todas as carências habitacionais até ao 50º aniversário do 25 de Abril”. Contudo, não perspetivamos esse objetivo nas propostas emanadas neste Orçamento do Estado. O Volt defende uma clara segregação dos orçamentos referentes a Infraestruturas e Habitação, de forma a tornar mais claro quais os projetos e valores alocados a Infraestruturas e quais os projetos e valores alocados à Habitação.
O ambiente continua a ser relegado para segundo plano: as medidas apresentadas não têm qualquer ambição nem revelam uma estratégia credível de combate à crise climática, apesar da boa vontade demonstrada. O Volt saúda o continuado objetivo de remoção dos benefícios fiscais prejudiciais ao ambiente, apesar de ver esta medida como tardia, e considera perigosa a utilização da expressão “gases de origem renovável”, já que esta pode englobar combustíveis que produzem emissões nefastas ao ambiente, como a biomassa, o biometano e o hidrogénio azul (produzido a partir de metano). Estes não deviam ser colocados no mesmo plano de soluções ecologicamente sustentáveis em que se encontra o hidrogénio verde.
Se o ambiente não é fundamental, a agricultura e o mar revelam estar ainda mais longe das prioridades deste Orçamento. O que constatamos é que se trata de um orçamento de continuidade, sem qualquer reforma ou medida para dinamizar dois setores que Portugal poderia capitalizar num contexto de pós-pandemia. Há um elencar de objetivos, mas fica por explicitar um plano concreto para os atingir.
Realçamos, uma vez mais, a ausência de reformas na justiça. É indispensável reformar um sistema que é lento, opaco e visto por muitos como ineficiente. O Volt defende a promoção de um aumento da transparência e da eficiência do sistema judicial português, encurtando os tempos de atuação da justiça e a sua complexidade. Há um enorme conjunto de medidas de combate à corrupção que ficaram por implementar e que são elementares num estado de direito no seio da Europa.
Em suma, o Volt vê este orçamento como mais uma oportunidade perdida e teme pelo aumento da despesa corrente primária do Estado e o aumento o peso do Estado na economia. Ficaram por criar as condições necessárias para que Portugal seja uma economia mais dinâmica e resiliente no pós-pandemia. O Governo escolheu não apoiar as empresas na reinvenção dos seus modelos de negócio e no fortalecimento da sua posição no mercado global. Não se vão resolver os problemas estruturais que afetam diretamente as pessoas, tendo-se preferido um aumento pontual e extraordinário de apoios sociais. Ficaram, mais uma vez, por fazer as reformas estruturais que tanto urge fazer na saúde, na educação e na justiça. A reforma do Estado e da função pública, abraçando novas tecnologias e modelos de trabalho mais transparentes e eficientes, permanece adiada. E para o ambiente, ficaram as boas intenções, mas a falta de uma estratégia clara e esclarecida.