O "homem branco" está em vias de extinção na Ciência?

Março é o mês da Mulher - aquele mês em que muitas mulheres pelo mundo tomam como celebração dos direitos já conquistados, aquele mês em que muitas de nós se perguntam se estes direitos serão duradouros ou sequer realmente existentes. Este sentimento de incerteza e de frustração prova-se sempre verdadeiro quando, a meio de debates sobre igualdade, conversas feministas ou marchas, somos brindadas com demonstrações de machismo ou somos ridicularizadas. Este ano não foi excepção!

14 de mar de 2023
Ana Carvalho

Durante um evento comemorativo do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, da Universidade Nova de Lisboa, Miguel Seabra, ex-presidente da FCT e Investigador Principal no Centro de Estudos de Doenças Crónicas (CEDOC), e ex-coordenador do programa de doutoramento da Fundação Champalimaud (cargo de que entretanto se despediu), decidiu deixar uma nota: "O homem branco está em vias de extinção na Ciência." O que terá levado Miguel Seabra a fazer este comentário? Como mulher, engenheira e cientista, pergunto-me: Estará o homem branco em vias de extinção na Ciência? Que tal aplicarmos o próprio método científico para procurar responder a esta questão? Vamos a isso:

1. Fazer uma observação ou questão:
Neste caso, a observação que iremos utilizar é a feita pelo prof. Miguel Seabra: "O homem branco está em vias de extinção na Ciência." Procurando especificar o significado desta frase, pretendemos saber se o "homem branco" - definido como homem cis-género de raça caucasiana - está de facto em minoria nas áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Maths).

2. Recolher informação:
Uma pesquisa em fontes fidedignas é importante, claro. Ao fazer esta pesquisa deparamo-nos com alguns dados sobre a presença de mulheres nas áreas STEM, assim como a população geral destas áreas, como:

De acordo com a OCDE e a Comissão Europeia, globalmente apenas 35% dos estudantes em áreas STEM são mulheres, apenas 24% ocupam cargos de topo na academia e apenas 10% dos detentores de patentes científicas são mulheres.

Segundo a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), apenas 17% dos estudantes de Tecnologias de Informação em Portugal são mulheres, assim como apenas 28% estudam Engenharia. Estas estatísticas, que têm visto pouca evolução nas últimas décadas no nosso país, refletem-se fortemente na população empregada, sendo que apenas 21% dos trabalhadores na área das tecnologias de informação são mulheres.

3. Formular uma hipótese:
Com toda a informação relevante reunida, podemos então formular uma hipótese. Os dados parecem apontar para duas coisas: uma presença maioritária de homens nas áreas da Engenharia e Tecnologia de Informação, e ainda uma sub-representação de mulheres em posições de liderança quer seja na academia ou na força trabalhadora, nestas áreas. Tendo isto em conta, proponho que a hipótese formulada seja:

"A população das áreas STEM, e em específico em áreas como Engenharia e Tecnologia, incluindo em posições de liderança, continua a ser maioritariamente composta por homens brancos".

4. Testar:
A melhor forma de testarmos esta nossa hipótese é a de estudarmos as realidades existentes não só em empresas mas também em universidades.

Na Galp, uma das maiores empresas portuguesas de energia, a percentagem de mulheres em funções de Engenharia é de apenas 24%, uma percentagem que decresceu desde 2020, enquanto que em funções STEM é de 31%.

Na Mota-Engil, a percentagem de mulheres em funções técnicas cresceu de forma muito positiva, continuando no entanto apenas nos 24% em 2021. Quanto a posições de gestão, apenas 10% dos trabalhadores são mulheres nesta empresa.

Já no Instituto Superior Técnico, uma das maiores faculdades de Engenharia do país, a percentagem de mulheres estudantes está em linha com as estatísticas encontradas anteriormente, sendo de apenas 28% em 2017.

Por fim, olhemos para a Universidade NOVA de Lisboa, cujo professor Miguel Seabra tem vindo a representar. Apesar de as mulheres serem a maior população no staff desta universidade, estas continuam a ocupar apenas 22% das direções e comités científicos. Ao mesmo tempo, a percentagem de mulheres em Engenharia e Tecnologia nesta universidade é também de menos de 30%.

5. Conclusão:
Em jeito de conclusão, não só desta "experiência científica" mas também de toda a situação infeliz que se passou na última semana, pode concluir-se que as mulheres continuam a ser uma população sub-representada em áreas como Engenharia, Matemática e Informática, tanto no corpo estudantil, como na investigação e nas empresas.

"O homem branco está em vias de extinção na Ciência." ? Não, não está!

Depois de um século de progresso, e apesar de algumas positivas estatísticas que indicam, por exemplo, que Portugal está acima da UE na média de mulheres inventoras, os números demonstram a realidade: as mulheres ainda não viram a sua presença normalizada em todas as áreas STEM. E enquanto tivermos de lidar com atitudes machistas, de quem se sente ameaçado por aquelas que ainda são uma minoria, o longo caminho a percorrer torna-se ainda mais difícil.

Artigo de Opinião

Escrito por Ana Carvalho, Engenheira Eletrotécnica e co-presidente do Volt Portugal e publicado no DN em 14 de março de 2023