Hungria conservadora: O que pode a Europa fazer pelos direitos LGBTQIA+?
Numa Europa progressista, os direitos das pessoas LGBTQIA+ voltam a estar em risco.
Uma nova lei foi aprovada na Hungria, que permite denúncias anónimas a pessoas LGBTQIA+. O estado húngaro passa agora a ser juiz do que constitui uma família, o que é um ambiente saudável para uma criança e dá a qualquer pessoa o direito de causar trauma e remeter ao abandono crianças acolhidas em lares funcionais por quem as quer amar, cuidar e ajudar a crescer. Em pleno século XXI, em plena Europa progressista e defensora dos direitos humanos, assistimos esta semana a mais um ataque por parte do governo húngaro à nossa comunidade.
Usando a mesma desculpa que já tantas vezes ouvimos, a “protecção” da família e do casamento, o governo de Orbán aprovou agora uma lei que permite a qualquer cidadão denunciar pessoas, famílias, eventos e comunidades LGBTQIA+, de forma anónima. Segundo este governo ultraconservador, as pessoas queer estão a pôr em causa o casamento, reconhecido na constituição, e os valores da família tradicional.
A aprovação desta lei húngara é um choque, mas infelizmente, não é uma surpresa. Não é a primeira vez que o governo de Orbán ataca a comunidade LGBTQIA+. Há apenas 2 anos tinha sido já aprovada uma lei que proíbe a divulgação e promoção da homossexualidade, e que tentou associar a pedofilia à comunidade. O pior? A Hungria não é o único país a ter tamanhos retrocessos nos direitos humanos. Na Polónia há mais de sessenta localidades que se auto-proclamam de “LGBT-free zones” e em que ataques a pessoas da comunidade queer são frequentes. Esforços da União Europeia até agora incluem repúdio e sanções económicas, mas mesmo as mais severas não demoveram a perseguição de governos ultraconservadores, guiados por cleros corruptos e usando a comunidade como bode expiatório para perpetuarem os seus interesses.
Como mulher europeia e bissexual, rodeada por pessoas LGBTQIA+ nas minhas amizades, no meu partido e com quem pretendo lutar pelo mundo que lhes deixo, pergunto-me: como é possível que leis destas sejam permitidas numa União Europeia progressista?
Como parte da comunidade LGBTQIA+, sinto-me privilegiada e grata por ser europeia e pertencer a esta União que desde a sua génese se apresenta como a potência mundial mais democrática e mais defensora dos direitos humanos. Existem leis europeias às quais todos os estados-membros da União Europeia têm de aderir, e que demonstram os ideais europeus. Todos os países que pertençam ou queiram fazer parte da União Europeia têm de respeitar os deveres e direitos espelhados em três documentos: A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Estes documentos causam um certo orgulho de ler, pois são muito claros: Qualquer discriminação baseada na orientação sexual é proibida à luz da lei europeia. Mas então se temos uma UE orgulhosamente progressista nas suas leis, porque não estamos a actuar contra a Hungria? Como podemos fazer determinadas exigências a países candidatos à União Europeia, e não manter esse nível de exigência para com os que já fazem parte dela? A verdade é que a UE não tem o poder suficiente para fazer cumprir a sua legislação.
Esta constatação deixa-me desconfortável e com um sentimento de enorme impotência. Os ideais europeus estão a ser espezinhados e a própria União Europeia não tem o poder de que necessita para impedir que tal aconteça. E porquê? Porque neste momento, apesar de termos uma União entre países, não temos mecanismos que executem as leis europeias. As decisões executivas a nível europeu têm ainda de ser tomadas por todos os governos de todos os países de forma unânime. Este facto é chocante! Como é possível termos uma Europa progressista e que faça cumprir os direitos humanos que defende, quando estamos totalmente dependentes de governos corruptos e que violam os ideais europeus, como o da Hungria e Polónia, para fazer executar essas leis? De que serve um Parlamento Europeu defender tão acerrimamente a comunidade LGBTQIA+ quando não tem poder de iniciativa legislativa e quando continua sem poder legislar contra países conservadores?
Este sentimento de impotência leva-me a agir! Precisamos de mais do que sair às ruas durante o mês do Orgulho, precisamos de mais do que sair às ruas nestes países onde a nossa comunidade está a ser atacada! Precisamos de lutar também pela Europa que queremos, pela democracia e pelos direitos humanos. É necessária uma reforma estrutural na União Europeia, que crie mecanismos de sanções e, em último caso, expulsão de países que não cumpram os ideais europeus, e é preciso um governo europeu que tenha o real poder de defender a nossa comunidade em todo o continente.
Todos os dias acordo como parte de uma comunidade que se quer livre em toda a Europa e que tem sido atacada e invisibilizada demasiado frequentemente. O que acontece às pessoas LGBTQIA+ na Hungria e na Polónia preocupa-me. Os direitos humanos em todo o continente são responsabilidade de todos, mesmo que longe geograficamente. Que segurança posso sentir quando sei que os meus direitos estão à distância de um governo extremista de desaparecerem? É preciso uma reforma estrutural da UE. Por isto mesmo acordo e decido lutar por uma Europa mais democrática e mais progressista: pela comunidade LGBTQIA+ europeia!