De Lurdes Rodrigues a Costa: como acabar com a escola pública
Dois professores, ambos de 54 anos, começaram a lecionar no ano letivo de 1996/1997. Um deles começou a lecionar 12 anos antes de ser integrado na carreira, estando no 3.º escalão de progressão. O outro leciona 20 anos antes de ser integrado na carreira, estando no 4.º escalão. O segundo, apesar de ter entrado na carreira mais tarde, encontra-se num escalão superior ao primeiro. Porquê?
Ao primeiro, não foi contabilizado um único ano do tempo que lecionou antes de ingressar na carreira, fruto da política relativa à progressão na carreira da então Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que não previa a contagem do tempo de serviço superior a 4 anos antes do ingresso. Tal resultou numa perda de 8 anos de serviço que não foram contabilizados para a progressão.
Ao segundo, que ingressou depois do novo diploma de Nuno Crato a respeito da contabilização do tempo de serviço anterior ao ingresso, esse tempo foi contabilizado para a progressão, permitindo-lhe ultrapassar o primeiro, apesar de ter sido integrado há menos tempo na carreira.
A ambos falta ainda contabilizar, para efeitos de progressão, os já conhecidos 6 anos, 6 meses e 23 dias de serviço, resultantes do período de congelamento de carreiras.
Entretanto, nas regiões autónomas, os professores tiveram direito a ter todo o seu tempo contabilizado e a serem-lhes devolvidos os anos correspondentes ao congelamento das carreiras, permitindo-lhes progredir na carreira normalmente, e ultrapassar os colegas do continente, mesmo que estes tenham ingressado na carreira há mais tempo.
Há mais do que dois pesos e duas medidas em Portugal para a progressão nas carreiras dos professores, e é de uma injustiça gritante para profissionais que têm trabalhado uma vida inteira, ser-lhes dito que esse tempo valeu zero.
Este é apenas um dos vários problemas e reivindicações que os nossos professores têm. Um problema cuja única solução possível é devolver aos professores, mesmo que faseadamente, o tempo de serviço perdido, como aliás já foi feito com os restantes funcionários públicos.
No dia 11 de Fevereiro, aconteceu aquela que já é considerada a maior Manifestação Nacional de Professores de sempre, organizada pela FNE e FENPROF, e com participação do STOP.
No fim desta manifestação, os professores, reunidos no Terreiro do Paço, são informados de alterações aos serviços mínimos para o período de tempo entre 16 e 24 de Fevereiro, que irá obrigar os professores, mesmo em greve, a garantir 3 horas de aulas por dia, reacendendo a revolta dos professores, que acusam o Governo de os castigar por se manifestarem pelos seus direitos.
No decorrer da manifestação, voltaram a ser entoados gritos a pedir respeito, a pedir a contagem integral do tempo de serviço, o fim das quotas para a entrada nos 5.º e 7.º escalões, entre outras exigências que os professores têm vindo a fazer, e que têm sido sucessivamente ignoradas.
É urgente dar ouvidos aos nossos professores, uma classe profissional que tem vindo a ser negligenciada e ignorada há décadas, por Governo após Governo, contribuindo para o cansaço, desrespeito, falta de reconhecimento e de valorização desta que é uma das profissões chave da nossa sociedade, a quem é dito que devem ceder nas negociações, quando tudo o que os professores fazem há vinte anos é exatamente ceder em tudo.
Mas chega a um ponto em que o desrespeito é demasiado, o cansaço é demasiado, e temos professores a aposentarem-se com reformas míseras, que com o atual custo de vida, os condenam a ter de encontrar outras formas de fazer dinheiro para poderem viver em condições, ou seja, nem na reforma deixam de trabalhar.
Isto já para não mencionar os milhares de professores que para além de dar aulas a tempo inteiro, ainda têm mais um ou dois empregos para poderem pagar as contas.
Quando comparado com a Europa, os professores, em Portugal, auferem um salário anual inicial de 22.374€, colocando o país em 17.º lugar na União Europeia e abaixo da média da UE (25.055€), com alguns países, como a Alemanha, Suíça e Luxemburgo, a ultrapassar os 50.000€. Também no que respeita à dignificação e valorização da carreira, e das condições de trabalho, que em países como a Alemanha permitem aos docentes ter um bom equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, sem a precariedade que os docentes em Portugal enfrentam. É impossível não termos professores revoltados, em Portugal, e todos deveríamos estar ao seu lado nesta luta.
Mas muito mais há a ser feito! Precisamos de dar melhores rendimentos aos nossos professores, criar bolsas de habitação pública para professores deslocados, à semelhança do que já é feito para médicos deslocados, onde são utilizadas residências municipais. Precisamos de fixar os docentes, parando de vez com o problema da “casa às costas”, que causa tanto transtorno, não só mental, como financeiro, aos professores em Portugal. Os professores e as suas famílias merecem essa estabilidade.
Para além disto, as reformas aos modelos de ensino que têm vindo a ser implementadas, apenas poderão funcionar eficazmente e ter o efeito desejado, se essa estabilidade e essa fixação existirem.
Também a colocação de professores deve ser revista, e deve reforçar-se o peso da média de curso e os anos de experiência nos critérios de seleção e colocação dos docentes, bem como a preferência regional e, especialmente, a mobilidade por doença.
Devem ser tidas em consideração as condições de saúde dos professores, criando uma listagem de doenças elegíveis, para evitar casos como aquele que ouvimos há umas semanas de uma professora, doente oncológica, deslocada a 700 km de casa, e do local onde tem as consultas e o seu tratamento, e que para além de dar aulas, tem ainda mais 3 empregos, e chegou a viver no seu carro, ou o caso de uma professora, também doente oncológica, que se viu a ser colocada a mais de 200 km de casa, recorreu ao Ministério da Educação, nunca obteve resposta, acabou por ter de colocar baixa médica, e veio infelizmente a morrer no ano passado.
Estes casos e casos semelhantes são cada vez mais, e a falta de resposta e de soluções por parte do Governo é um insulto para estas pessoas.
Estamos há décadas a ouvir falar do mesmo, e continuam a não ser dadas soluções concretas aos professores, as suas carreiras continuam a ser precárias, e as suas vidas e das suas famílias continuam a ser tremendamente afetadas por estas sucessivas injustiças, e entretanto, temos um Ministério da Educação que não está disposto a ceder no mais importante, que nem dá margem na questão da contagem integral do tempo de serviço e da progressão da carreira.
Todas estas situações deixam esta classe profissional cada vez mais cansada e desmotivada, e fazem não só com que muitos professores abandonem a carreira, como com que cada vez menos jovens procurem seguir a carreira de professor, porque sabem o que os espera se o decidirem fazer.
A quantidade de professores formados o ano passado - 3 de Física e Química, 8 de Filosofia, 21 de Matemática, por exemplo - a nível nacional, torna clara uma realidade preocupante: dentro de 4 anos, já não teremos professores suficientes.
António Costa é Primeiro Ministro desde 2015. Parte destes problemas podem não ter sido criados pelos seus Governos, mas têm sido perpetuados. Ao longo destes meses de greves e manifestações, o Primeiro Ministro não se pronunciou, deixando o seu Ministro da Educação arcar sozinho com as consequências. A isto, junta-se um Presidente da República que, mesmo sendo professor (embora do Ensino Superior), vem pedir a uma classe profissional envelhecida, exausta, continuamente desrespeitada e desvalorizada, e em burnout, que tenha paciência.
A educação é a base de um país, mas a forma como os professores têm vindo a ser tratados remete-a para um papel secundário, afastando cada vez mais as pessoas desta profissão.
É esse o futuro que queremos para os nossos jovens? Para o nosso país?