1º de Maio - Dia dos Trabalhadores por conta de outrem
Da luta do proletariado para a luta do “precariado”
O dia dos trabalhadores que celebramos nasceu de lutas operárias nos EUA em busca da jornada de 8 horas. Foi em 1884 e desde então a efeméride foi generalizada em quase todo o mundo e é comemorada como símbolo da conquista de direitos para quem trabalha nos setores público, privado, cooperativo, assistencial e que envolve, de alguma maneira, todas as profissões desde as menos instruídas até às mais qualificadas. Mas se há algo que os caracteriza em comum é que são, na sua grande maioria, trabalhadores por conta de outrem.
Os trabalhadores independentes em Portugal são 711 mil, ou seja, a grosso modo, 15% da população trabalhadora que paga IRS e segurança social. Muitos deles são microempresas com um trabalhador que serve, como sabemos, para refúgio do desemprego causado pelas várias crises recentes (financeira, COVID, guerra). Outros são jovens saídos das universidades que se perpetuam às vezes durante muitos anos a prestarem serviços às empresas e ao estado como independentes.
Anabela (nome fictício) é jornalista licenciada e trabalha em comunicação social, com um falso recibo verde há 10 anos. Diz que, como ela, um número de outros profissionais, ainda desconhecido dos próprios sindicatos, está nesta situação, e muitos nem sequer são consultados por estas entidades quando há uma luta pelos direitos do trabalhador. Não sabem a quem recorrer para que possam ser ajudados, e por vezes, o próprio sindicato não sabe muito bem se a sua situação se encaixa nos parâmetros que estão habituados a defender. Não conseguem comprar casa, não acedem facilmente a crédito bancário, podem ser dispensados a qualquer momento com um simples telefonema. O seu presente é incerto, o seu futuro é imprevisível e saem do país logo que tenham uma proposta decente de um contrato de trabalho.
A lista de profissões ditas “liberais” é extensa: desde tradutores, feirantes, cabeleireiros, arquitetos, psicólogos, advogados, guias turísticos, jornalistas, motoristas TVDE, estafetas de serviços de entregas ao domicílio, tarefeiros, entre muitos outros.
Alguns “não direitos” estão-lhes desde já assegurados:
• Não têm direito a greve;
• Não têm horário de trabalho definido;
• Não tem direito a férias pagas. São muitas vezes, dentro das empresas, desencorajados a pedi-las;
• Só podem aceder ao desemprego se tiverem uma dependência superior a 50% de um cliente durante 12 meses;
• Não podem aceder à pensão antecipada por desemprego de longa duração (situação inconstitucional, entretanto já denunciada pela Provedora da Justiça).
Quanto aos deveres:
• Respondem com o seu património pessoal às dívidas contraídas;
• Pagam 21,4% de contribuições para a Segurança Social;
• A retenção na fonte de IRS é de 25% obrigatória para todos.
O 1º de maio ideal é aquele que felicita todos os trabalhadores, não importa a sua condição contratual. Mas não se pode deixar de aproveitar esta data para denunciar a injustiça que recai sobre esta população trabalhadora, que tem vindo a crescer ligeiramente em número desde 2010. Infelizmente, na condição de trabalhador independente, estão muitos dos jovens que entram no mercado de trabalho e não entram na classe média (como aconteceu com os seus pais) e, se quiserem ter filhos, têm que emigrar para não se arriscarem a cair na pobreza.
Portugal precisa mesmo de um livro branco sobre a precariedade, que mostre sem rodeios a realidade e com isso promova uma mudança de paradigma nas relações de trabalho e que ajude a salvar uma geração de uma vida pouco digna de muito trabalho, muitos riscos e poucos recursos. Diria mesmo que necessitamos de um novo 1º de Maio para esta população, de certa forma abandonada e desprotegida de direitos, tal como aconteceu com os operários no final do século IX.
Custa muito ver uma geração inteira sem esperança e com muitas dúvidas em relação ao seu país e ao seu futuro. Um estudo da OCDE de 2019 revela que a geração millenials terá menos gente na classe média do que a geração dos baby boomers. Isto contraria, quase de forma existencial, qualquer cidadão e qualquer nação que se projeta num futuro e que sonha com uma vida melhor para os seus filhos.