Ultraconservadorismo a sair do armário

Agora, apelidar pessoas de “maricas”, homem fraco, mulher masculina, oferecida, ou imigrante ingrato, já não é errado. Pois é: esse sentimento de afirmação e até de descompensação pelo que estava reprimido está agora a sair do armário entre ultraconservadores

27 de abr de 2023
Duarte Costa e Ana Carvalho

Sair do armário não é um exclusivo da comunidade LGBTQIA+. Quem nunca sentiu que aquela opinião, forma de estar e de falar, brincadeira, reação ou partilha nas redes sociais mais contracorrente, de repente, não é mais socialmente condenável? Todos fazemos as nossas saídas do armário, diariamente, ao expressarmos a nossa opinião.

O problema? Há agora fobias disfarçadas de opiniões que afetam e limitam diretamente a vida de outras pessoas. E não só estas fobias estão a ser comunicadas sem pudor, mas também têm sido amplamente apoiadas por plataformas políticas. Agora, apelidar pessoas de “maricas”, homem fraco, mulher masculina, oferecida, ou imigrante ingrato, já não é errado. Pois é: esse sentimento de afirmação e até de descompensação pelo que estava reprimido está agora a sair do armário entre ultraconservadores. Atitudes que até há pouco tempo seriam, e bem, conotadas como racistas, homofóbicas, misóginas, transfóbicas, retrógradas, anti-democratas estão agora livres, em afirmação e em descompensação pública. Estas atitudes estão a mudar o paradigma político em Portugal, podendo vir a ter consequências devastadoras para os direitos sociais no nosso país.

O racismo, o machismo e outras agressões do ultraconservadorismo que sai do armário, parecem estar a tornar-se opiniões válidas e livres de proferir, de publicar e de afirmar. Nas redes sociais, na imprensa, e até dentro da Assembleia da República.

Exemplos disso são as publicações este mês sobre eventos como a do ataque no Centro Ismaili ou as celebrações muçulmanas do Eid al-Fitr (fim do Ramadão) filmadas e divulgadas de forma pejorativa pelo líder do Chega que fazem jorrar inúmeros comentários pejados de medo e xenofobia injustificados.

Outro exemplo foi o artigo de opinião de Alexandre Pais no Correio da Manhã onde se normaliza e legitima a humilhação de pessoas, neste caso uma mulher, que viu a sua forma física ser comentada e comparada de forma gratuita num jornal, sem qualquer interesse público ou jornalístico. O populismo sensacionalista que na política ganha adeptos, e no jornalismo ganha clicks, partilhas e visualizações.

Sabemos que há um projeto político ultraconservador que está em expansão exponencial em Portugal. Isso tem consequências sérias para o nosso sistema político. Entre elas, assistimos ao manietar (no caso do PSD) e aniquilar (no caso do CDS) da alternativa tradicional ao PS no centro direita. Mas também tem consequências sociais já muito visíveis e experienciadas por muitos de nós, nas ruas, nas redes sociais, na imprensa. Esta normalização e legitimação de atitudes e valores incompatíveis com os direitos humanos, com a igualdade e paz social, com a democracia e com os recentes avanços progressistas que celebramos no que toca a liberdades e garantias de igualdade para grupos fragilizados como migrantes, comunidade LGBT e até as mulheres.

Este fenómeno não é um exclusivo português e já foi iniciado antes de nós, noutras partes da Europa e do mundo. É fundamental que Portugal, e os democratas e progressistas portugueses, observem e aprendam com as trajetórias de saída do armário do ultraconservadorismo noutras partes do mundo e apresentem, enquanto é tempo, caminhos alternativos para lidar com os problemas que dão origem à aparente necessidade da direita radical.

A CRISE DE CREDIBILIDADE DO CENTRO DEMOCRÁTICO

Em Portugal, como no resto da Europa, a falta de respostas eficientes da classe política dominante sobre temas sensíveis (e próximos dos ultraconservadores) como a inclusão de minorias, a “família tradicional”, a honestidade no exercício de cargos públicos, o uso de dinheiros públicos, têm sido capitalizadas para agravar a perceção dos problemas, instaurar o medo e contagiar uma falsa necessidade de mudanças drásticas para defender valores essenciais como a segurança, a honestidade na política e até a soberania cultural sobre o país.

Também em Portugal, a direita radical cresce com o populismo e sensacionalismo devido à incompetência do Governo e do PS e PSD, dando voz e fazendo alarido sobre os problemas reais que os portugueses sentem na pele, fruto dessa incompetência: o custo de vida, a crise climática, o acesso à saúde, a ineficiência da justiça, a desigualdade no poder de compra entre quem vive em Portugal com um salário português e com um salário europeu, nas estatísticas de um país ultrapassado economicamente por Estados Membros da UE que souberam utilizar os fundos europeus com resultados económicos, mas reconhecidos que Portugal.

O CONTÁGIO DO ULTRACONSERVADORISMO PARA O CENTRO DEMOCRÁTICO

Além das consequências políticas e sociais da normalização do ultraconservadorismo, parece-nos que o maior risco para as democracias liberais como Portugal é o risco de contágio dessas visões para o campo do centro democrático, que adere a posições extremas para dar resposta a um eleitorado crescentemente radicalizado pela normalização e disseminação que o populismo rapidamente confere a uma agenda ultraconservadora, nacionalista, extremista, e desalinhada dos valores humanistas do liberalismo político.

Foi nesse contexto que em 2015 o partido conservador britânico e o seu líder e primeiro ministro pró-Europa David Cameron cedeu à ideia de referendar a pertença do Reino Unido à UE, por pressão interna e externa dos ultraconservadores e populistas, entre eles Nigel Farage, do UKIP. E é neste contexto que vemos pressões sociais crescentes para a adoção de políticas migratórias claramente racistas, desumanas e que nada acrescentam à inclusão de migrantes altamente necessários a uma economia europeia num inverno demográfico preocupante.

Este contágio de ideias extremadas para o centro democrático é bem notório na Dinamarca, onde afirmações como “Asilo zero”. “Mandá-los de volta para a Síria.” “Pedidos de asilo processados noutro lugar” chegaram ao novo governo de centro esquerda. Também no Reino Unido, vemos agora notícias de novas leis para permitir a deportação para o Ruanda de pessoas que procuram asilo.

Países como Itália, Suécia, e França enfrentam pressões sociais semelhantes sobre a inclusão de migrantes, havendo uma pressão eleitoral crescente para medidas drásticas e ineficientes como expulsão, fechar fronteiras e alienar a Europa da sua capacidade de acolher, integrar, apoiar estas pessoas em situações extremas e dessa forma também poder dar resposta às necessidades de mão de obra atuais.

Em Portugal este contágio é evidente e o Chega não precisa de ganhar eleições para já estar a condicionar o normal funcionamento da democracia (nos seu moldes tradicionais, já em si limitadores, de alternância PS/PSD): é evidente que o PSD não quer governar ou ter acordos com o Chega mas também começa a ser sistemático em sondagens eleitorais que o PSD não apresenta resultados para oferecer uma alternativa democrática ao PS sem o Chega. O contágio do ultraconservadorismo está a contagiar o centro democrático português pelo PSD, manietado pelo crescimento do Chega a ponto de o seu líder não poder ser indubitável a descartar qualquer acordo político com o Chega.

TRAVAR A EXPANSÃO DO ULTRACONSERVADORISMO IMPLICA UNIÃO E RENOVAÇÃO

Uma das principais motivações que levou à formação do partido a que ambos co-presidimos foi o combate aos populismos, nacionalismos e extremismos na Europa. O Volt propõe-se contribuir para criar uma alternativa democrática a um centro político debilitado, requentado, vicioso, ineficiente e cujos fracos resultados de governação estão a descredibilizar a própria democracia.

Para isso é preciso unir os progressistas e democratas, e é preciso uni-los a uma escala europeia. É preciso atualizar a democracia liberal social, tornando-a mais eficaz na tomada de decisões com políticas informadas pela ciência, deliberadas e decididas com a participação de cidadãos informados e com um alcance além de ciclos eleitorais, e num plano cada vez mais europeu e de afirmação da Europa democrática e humanista no mundo. O antídoto para travar as ameaças à democracia está no combate à insatisfação com a performance da democracia atual, trazendo novos atores, formas de fazer política e novos projetos com visão de futuro.

Racismo, misoginia, xenofobia, homofobia e transfobia não são opiniões, mas sim fobias. Partidos políticos extremistas que deem palco a estas atitudes, devem ser combatidos democraticamente através da ação e participação política pelo progressismo, pelos direitos e pela liberdade. Neste 25 de Abril, é hora de nos ativarmos e procurarmos unir e renovar o centro político que precisa de atualizar a democracia para que ela seja muito mais daquilo que sempre sonhamos, e que nos últimos anos sentimos que está cada vez mais fora do nosso alcance.

Artigo de Opinião

Escrito por Duarte Costa e Ana Carvalho, co-presidentes do Volt Portugal, e publicado no Expresso em 27 de abril de 2023