Todos somos livres para amar sem discriminação: incluindo a Deus
Eliminar barreiras, acolher, incentivar tolerância e solidificar sonhos partilhados de uma sociedade inclusiva e sustentável são algumas das sementes de que precisamos para combater a polarização crescente na União Europeia. O que aprendi nas marchas LGBTQIA+ que devemos aplicar à Jornada Mundial da Juventude 2023.
Nos últimos dias, as vozes de descontentamento sobre a realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), sobre a Igreja Católica e até sobre a fé cristã têm crescido e saído das redes sociais para a vida pública. Há críticas legítimas e necessárias sobre a forma como dinheiros públicos foram gastos com este evento, ou com a independência que o Estado laico deve ter da Igreja Católica.
Há também um crescimento de discursos ilegítimos, que soltam preconceitos para fora do armário e que hostilizam quem participa no evento. Outros há até que esfregam sal na ferida aludindo ao abuso de crianças por padres da Igreja Católica de forma insensível a quem ainda sofre: as vítimas, as suas famílias e as comunidades católicas impactadas.
No meio dos protestos há até uma certa tirania secularista sugerindo proibições de aspetos próprios da prática religiosa (católica ou outra) e que nunca seriam compatíveis com uma democracia livre, progressista e inclusiva, onde todos são livres de amar publicamente quem quiserem, incluindo a Deus.
No meio de tudo isto, dezenas de milhar de voluntários da JMJ e de famílias de acolhimento continuam apressadamente focados em acolher quem nos visita com um coração cheio de hospitalidade e indiferentes a estas críticas. O objetivo último é proporcionar um encontro para que o nosso mundo se reencontre na fraternidade, na justiça e na paz (são as palavras da Oração da JMJ repetidas regularmente pelos voluntários).
A JMJ democratiza o acesso a uma experiência de ter o mundo a entrar pela sua casa e bairro, na primeira pessoa, bem como o sentimento de uma gratidão genuína de ser acolhido em Portugal de braços abertos. Cada bairro, aldeia, estação de transportes públicos será uma pequena aldeia global cheia de aprendizagens e afetos que unem pessoas de etnias, línguas e culturas diferentes, contribuindo para desconstruir preconceitos e edificar uma juventude global mais unida e que se reconhece com mais amor e proximidade.
Esta experiência é especialmente marcante em muitos dos bairros pobres e periféricos da Área Metropolitana de Lisboa, onde a exclusão social é uma realidade e as oportunidades de experimentar o mundo global são escassas. Um que conheço bem é o da Ameixoeira, em Lisboa, onde vivo e cresci. Quanto poderíamos mudar o mundo ao proporcionar que jovens dos países mais privilegiados do mundo tenham uma experiência de acolhimento por famílias cultural e economicamente diferentes ou que partilhem como todos os outros jovens do mundo, o mesmo chão da escola?
Eliminar barreiras, acolher, incentivar tolerância e solidificar sonhos partilhados de uma sociedade inclusiva e sustentável são algumas das sementes de que precisamos para combater a polarização crescente na União Europeia.
Como podemos ser mais unidos e combater esta polarização que, como observamos em países irmãos como o Brasil e Espanha, ameaça a paz social?
Não há só uma resposta a esta pergunta, mas a minha vem dos dois lugares onde, ao longo da minha vida, encontrei pessoas que procuram a plena liberdade de amar: a Igreja (e aqui falo das experiências que tive um pouco por todo o mundo, do Reino Unido ao Brasil, de Portugal à Austrália), mas também na comunidade LGBTQIA+ em geral e nas várias Marchas do Orgulho em que já participei. Como gay católico, apesar de poder parecer ser incompatível sê-lo, se estivermos atentos às aspirações de uns e outros, é bastante claro que todos apenas queremos amor e poder amar e conseguirmos o pleno respeito e amor pelo próximo.
A própria Igreja, que nem sempre esteve do lado certo da História no que diz respeito à inclusão de pessoas LGBTQIA+, precisa de ser mais inclusiva e está a dar sinais de estar a mudar por dentro: nesta JMJ, o Centro Arco-Íris, no Lumiar, será um espaço destinado ao encontro de católicos LGBTQIA+ para partilha e oração. Uma Igreja viva, dinâmica e verdadeiramente inclusiva, pratica a tolerância e abertura e impede o extremismo religioso e o isolamento ideológico
A JMJ permite-nos receber um líder religioso, o Papa Francisco, com uma mensagem crucial para Portugal e para a União Europeia, a menos de um ano das eleições europeias, onde pede a católicos e demais que se afastem dos populismos que exploram as angústias do povo, sem oferecer soluções, propondo uma mística que nada resolve. Que fujamos da inimizade social, que só destrói, e escapemos da polarização. Especialmente hoje, quando uma parte da política, da sociedade e dos mídia está decidida a criar inimigos, para derrotá-los num jogo de poder. A solução é o diálogo e que cada um seja arquiteto do diálogo, da amizade sem deixar espaço para a guerra.
A JMJ é um momento mundial, onde dos quatro cantos da Terra, jovens se reúnem para encontrar-se e construir uma vida pessoal, comunitária e em sociedade coerente com o verbo amar. Uma sociedade revolucionária no Amor, inclusiva e acolhedora do outro, sobretudo de quem é pobre e marginalizado, que por isso eleva os direitos humanos e ama o planeta preservando-o num sentido de justiça global e intergeracional.
Independentemente de se ser católico, se estas não fossem já razões suficientes para reconhecermos o valor de acolhermos no nosso país uma oportunidade destas, a defesa da democracia e da liberdade de professarmos uma religião, de nos associarmos por diferentes interesses, de manifestarmos ideias ou protestos nas ruas, são conquistas de Abril das quais não queremos abrir mão. É esta democracia e liberdade que são também garantia para um evento como a JMJ e para todos aqueles que escolheram estar envolvidos e que esperam ser respeitados e bem-vindos.
Inspirar milhões de jovens a querer uma sociedade com mais amor, mais respeito e inclusão é algo que partilham tanto ativistas LGBTQIA+ como católicos desejosos de personificar o exemplo de Cristo. É nesse ponto comum, inspirado pelo apelo de amizade social e arquiteturas de diálogo do Papa Francisco, que partilho este texto na esperança de poder contribuir para contrariar o que nos divide e que nos impede de amar e de sermos verdadeiramente livres.
Todos são bem-vindos. Ponhamos de lado o que nos separa, abracemos e acolhamos quem nos visita e preparemo-nos para ouvir, partilhar, desejar o bem sem saber a quem, e mostrar que levar a paz e o bem-fazer, é o melhor bem-estar.