Relatório Draghi: Um parecer corajoso… se sair do papel
Esta semana, Mário Draghi apresentou o documento que Ursula Von der Leyen lhe pediu e que fez abanar a bolha europeia. A internet está a chamá-lo de "The Draghi Report" e demorou-nos 400 páginas a digerir.
Comecemos pelas boas notícias. O documento demonstra um parecer bastante corajoso por parte de Draghi acerca do que a Europa tem de fazer para um verdadeiro renascimento económico, com competitividade, respeito pela adaptação às alterações climáticas, sem esquecer a criação de oportunidades e prosperidade social. A identificação dos principais problemas e muitas das soluções propostas estão alinhadas, inclusive, com a visão do Volt, conforme já demonstrado no programa eleitoral para as Europeias e no programa apresentado às legislativas (algo que podem confirmar se os consultarem).
O relatório aponta o dedo ao desperdício de recursos com a repetição de instrumentos e agências pelos 27 Estados-Membros, quando poderíamos juntar ainda mais os nossos esforços em várias áreas, dando-se como exemplos prioritários a Defesa e a Inovação Científico-Tecnológica. Esta fragmentação tem repercussões também nos tempos de reação económica e na atração de investimento, porque agimos como 27 competidores internos em vez de termos um posicionamento estratégico e geopolítico que faça sobressair a União Europeia enquanto força económica global.
Por outro lado, o relatório também salienta que o alargamento europeu e o crescimento interno se têm feito sem as necessárias adaptações aos procedimentos de decisão política e de desenvolvimento legislativo. Insistimos numa máquina pesada e pouco ágil, que decide caso-a-caso com demasiadas possibilidades de veto no percurso de criação da lei.
O relatório ainda destaca os preços da energia enquanto fator perdedor na questão da competitividade e que só a descarbonização, o investimento em economia verde, a transição energética e uma "maior cooperação" (ou euro-federalismo) poderão reverter as tendências negativas que temos na economia europeia.
Se o Relatório Draghi acerta em cheio no diagnóstico dos problemas, fica aquém na proposta das soluções em alguns capítulos. Os programas do Volt têm sido bastante mais detalhados em algumas soluções propostas, nomeadamente na alteração aos tratados que é necessária para que desenvolva o sistema de governação europeu, na transição digital aplicada aos vários sectores de actividade, bem como na ambição ecológica que permita fazer frente às alterações climáticas e que seja a garantia da sustentabilidade global. Já na parte da competitividade e segurança económica da UE, onde o relatório é mais elogiado, chega a haver uma compatibilidade de 80% com as propostas programáticas do Volt.
Mas vamos com cautela. Sim, são boas notícias para o futuro da Europa. Se sair do papel.
A União Europeia tem como uma das suas bases a política do compromisso. Tem vantagens inegáveis.Mas quando exigimos grandes mudanças sistémicas, haverá muitos interesses a levantar obstáculos aeste curso de ação, especialmente à parte "verde" dessa ação. A robustez tem também de ser política,tanto por parte dos nossos comissários, como por parte das várias famílias políticas do ParlamentoEuropeu.
O investimento será sempre o elefante na sala. Para a tecnologia e inovação, tem de aumentar bastante. O Volt, nos seus programas eleitorais, tem pedido pelo menos 3% do PIB coletivo da UE e já tem sido apontado como ambicioso - o relatório pede cerca de 5%.
No parâmetro nacional, há muitos motivos para ter desconfiança de como Portugal vai executar o que está escrito neste documento. O país não tem o melhor currículo em aspetos como a execução de diretivas ou aplicação de fundos europeus. Os portugueses não poderão ser censurados se preverem que Portugal execute apenas uma sombra do que está escrito.
Outro ponto que sugere alguma reserva é um número de 800 mil milhões de euros por ano. Este número causou algum alarme na opinião pública, com razão para isso.
Sem crescimento económico, não temos recursos para a Europa ser um epicentro da economia sustentável. E sem uma ambição deste género, não poderemos competir com os EUA e a China. Nos últimos 15 anos, a Europa "fingiu" que a questão da produtividade não era urgente, olhando para a imigração como uma forma de compensação destes números, assim como uma quase dependência de exportações. Mas a guerra na Ucrânia e a inflação puseram este problema a nu pelo que ele é. Uma crise. Daí a necessidade de uma estratégia cooperativa unificada, que será o ponto de viragem.
Mas, olhando bem, este número é um montante igual ao PRR dos vários países, só que numa consistência anual. Este valor de investimento é, até, mais ambicioso do que o plano Marshall, algo que alguns defendem que não pode ser repetido, muito menos sem ter havido uma Guerra Mundial que justifique o investimento. Economista ou merceeiro, não há ninguém que não se assuste com esta perspetiva, num mundo pós-austeridade.
Precisamos de leis de transparência e fiscalização mais fortes, e uma boa redistribuição de riqueza, se queremos de alguma forma combater este risco.
Este relatório é um apelo à federalização. Algo que o Volt defende desde 2017. Por isso fazemos estesimples apelo. Preparemos as nossas leis económicas para responder a esta recomendação, e que estasaia do papel para as nossas economias, com todo o respeito pelas nossas carteiras.