Portugal é fogo que arde sem se… precaver
Desconcertante como o Amor de Luís de Camões que os 500 anos do seu nascimento nos recordam, a realidade dos incêndios em Portugal é ferida que dói, é dor que desatina e sobretudo é fogo que arde bem diante dos nossos olhos lacrimejantes.
Mais do que ver, Portugal precisa de se precaver dos riscos e impactos dos grandes incêndios florestais. Somos o país com a maior percentagem de área ardida da Europa. Quais são as causas? Há muitas e fomos ler os relatórios! E as soluções? Vamos por partes:
As Causas: Entre o Uso do Fogo e a Pirotecnia
A principal causa dos incêndios é o uso indevido do fogo. Queimadas descontroladas são responsáveis por 50% das ignições sobretudo em áreas rurais, onde há falta de alternativas eficazes para lidar com os resíduos agrícolas.
Depois temos o incendiarismo: aquela inclinação perversa de alguns cidadãos para brincar com fogo. Cerca de 32% das ignições em 2022 foram causadas intencionalmente. Enquanto uns plantam árvores, outros preferem vê-las a arder. A lei já permite que, em períodos de alto risco de incêndio, se prendam preventivamente incendiários identificados, se cortem estradas, se dobrem esforços de vigilância, acionando as forças de segurança. O Estado precisa de tratar com seriedade a ameaça dos incêndios e acionar todos os mecanismos de prevenção, sobretudo quando temos alertas vermelhos.
Finalmente as causas acidentais, como a falha de infraestruturas públicas e privadas ou um simples foguete (como foi o caso da Madeira este verão), que resultaram em incêndios em 20% das ocorrências.
O Estado: Um Incendiário negligente.
O Estado português tem sido o indivíduo que todos vimos nas redes sociais a lançar uma beata de cigarro incandescente para uma floresta durante um teatro de operações.
Apesar de ter criado a legislação e planos necessários para a gestão da floresta, o Estado não os tem implementado na escala necessária. As Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), criadas há quatro anos, ainda não se concretizaram. São 140 mil hectares à espera de serem geridos. As Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), que abrangem 600 mil hectares, também nunca foram devidamente implementadas.
Quanto ao eucalipto, a nossa árvore nacional! A sustentabilidade da indústria do papel não passa por um aumento de área de plantação, até porque o eucalipto tem limites bem definidos na lei e um plano para ser substituído por um mosaico rural com espécies autóctones. No entanto, esse plano nunca saiu do papel. Papel, esse, que muito deve ao eucalipto.
As soluções: Portugal Deixar de Ser um Eucaliptal
Por que é tão difícil implementar estes planos?
O Estado não sabe quem são os donos dos terrenos florestais. No entanto, a lei permite contornar a ausência de um cadastro rural rigoroso ao permitir que câmaras municipais e outras entidades públicas possam substituir os proprietários nos deveres de boa gestão da floresta quando estes são desconhecidos.
Logo a seguir temos a falta de monitorização de políticas: o Estado não controla a implementação destes planos integrados e de longo prazo que acabam, assim, a ficar perdidos na floresta. Onde estão os partidos da oposição na hora de exigir responsabilidades sobre a ausência de progresso para prevenir os enormes impactos dos incêndios?
O PRR Florestas é uma janela de oportunidade que destina 615M€ para corrigir a ausência de um cadastro florestal, criar incentivos para que as ZIFs sejam economicamente viáveis e possam realizar o trabalho de ordenamento florestal e diversificação da floresta. É fundamental que este investimento não seja apenas consumido, mas antes implementado com metas ambientais e de segurança florestal definidas e verificadas. Os decretos-lei 124/2006 e 10/2018 são instrumentos já existentes de monitorização e avaliação de progresso que podem ser utilizados, mas é necessário usá-los.
Por outro lado, o cumprimento das melhores práticas de gestão florestal não pode depender apenas da coerção e da fiscalização. Precisamos de um modelo económico rentável, fixador de negócios e de pessoas, em sintonia com uma floresta biodiversa e prestadora de bens e serviços, saudável e, portanto, mais resiliente contra grandes incêndios. Há bons exemplos na transformação da economia nesta direção, como o caso de Manteigas, onde o presidente da Câmara optou por plantar apenas espécies folhosas após os devastadores incêndios de 2022.
Não é trivial gerir terrenos florestais, muito menos para novos minifundiários que se vêem a braços com parcelas herdadas em territórios longe de onde habitam. Umas vez implementadas as ZIFs, as Entidades Gestoras previstas na lei podem funcionar como cooperativas que permitem a gestão agrupada e o ordenamento florestal. Nas Legislativas de 2022 e 2024, o Volt defendeu a criação de pagamentos por serviços ecossistémicos, aos proprietários que assegurem florestas bem geridas e produtoras desses serviços essenciais para a economia e para a comunidade como um todo.
A prevenção dos incêndios em Portugal exige uma abordagem integrada e transformadora do território, como foi realçado por Marta Leandro nas suas 3 palavras mágicas: a diversificação florestal (com “Folhosas”), a “Gestão” agrupada de mini parcelas e “Trituração” de biomassa.
A Caminho de um Futuro Menos Fumegante?
O combate aos incêndios em Portugal não pode continuar a ser uma complexa (e muito onerosa) operação de combate quando as chamas já estão fora de controlo, que ceifam vidas, esbanjam recursos, e desbastam economias familiares e locais. Precisamos de uma mudança estrutural na forma como gerimos o nosso território e as nossas florestas. São passos fundamentais: promover uma floresta mais diversa e menos dependente de monoculturas inflamáveis; aplicar incentivos para uma gestão eficaz das propriedades; aplicar penas realmente dissuasoras (já previstas na lei); capacitar as comunidades com novas tecnologias e métodos de prevenção.
Não adianta continuar a apontar o dedo, desresponsabilizando públicos e privados, tornando algumas causas nos bodes expiatórios das outras, demonizando indústrias, culpando a falta de fiscalização e ignorando os especialistas. Cada um tem mesmo de fazer a sua parte e ao Estado não cabe só regulamentar mas também garantir a implementação das medidas.
Precisamos de políticos responsáveis e corajosos, gestores públicos com sentido de missão, proprietários informados e apoiados. Precisamos também de um OE para 2025 que dote os municípios de meios de gerir preventivamente as situações de maior risco e que tire do papel o potencial dos planos e políticas já vigentes.
Sem isso, Portugal continuará a ser um imenso e desolador “eucaliptogal”, onde as promessas de mudança se desfazem, tal como as nossas florestas, nas cinzas dos incêndios de verão.
Duarte Costa e Inês Bravo Figueiredo - Co-presidentes do Volt em Portugal