E se quando as estradas entopem, os contratos de concessão ou a lei exigissem mobilidade suave para as desentupir?
Alargar o IC20 em Almada é continuar a Americanização da mobilidade em Portugal. E se pusermos a UE a exigir mínimos de sustentabilidade na mobilidade a todos os Estados-Membros?
Almada anunciou, em plena Semana Europeia da Mobilidade, a decisão de alargar o IC20 para quatro vias de circulação por sentido. O motivo: o critério (caduco) do contrato de concessão de, ao ultrapassar o limiar dos 60000 carros/dia, dever ser feito um alargamento da via.
Em paralelo ao IC20 passa o Metro da Margem Sul: estas duas vias de transporte paralelas são um exemplo explícito das decisões de uma classe política que faz promessas de ação climática, mas que não as cumpre ou pior: avança com soluções contrárias aos objetivos dessas promessas. O Metro termina no pólo universitário do Monte da Caparica, a meio da viagem entre Almada e a Costa da Caparica.
Desde 2007, governo central e Câmara Municipal prometem a extensão do Metro até à Costa. Não passou de uma promessa: a obra continua sem data de arranque, ao contrário do alargamento do IC20 que está previsto começar já em outubro. Se tivéssemos uma rede de transportes intermodal eficiente na Margem Sul, interconectada com rapidez com a margem Norte, será que iríamos continuar a promover o automóvel com mais um alargamento de auto-estrada? Além disso, como frequentemente observado, estes alargamentos acabam por não melhorar o trânsito, gerando até mais procura induzida.
Será que quem nos governa ainda não entendeu que com decisões destas não vamos mudar a nossa realidade de apenas 25% de uso de transporte público e mobilidade ativa, longe de cidades europeias modelo como Berlim, com uma quota de 75%?
As metas-promessa na mobilidade sustentável são mais e até 2030 (i) uma redução de emissões dos transportes em 40% (Plano Nacional de Energia e Clima) e (ii) um nível de utilização da bicicleta correspondente a 10% de todas as deslocações (Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa e Ciclável) um exemplo explícito de greenwashing e descredibilização da democracia por uma classe de políticos que não cumpre o que promete e que assim põe em xeque o nosso futuro, a nossa economia e a nossa democracia.
Temos muitas razões para estar indignados com este alargamento, e já agora, para divulgar e assinar a petição de cidadãos que pretende canalizar este tipo de investimentos na direção certa: para os transportes públicos e mobilidade suave de Almada. Alargar o IC20 é mais um exemplo de como Portugal, sendo um estado membro da União Europeia, aproxima-se mais do faroeste americano do que dos bons exemplos europeus nas políticas de mobilidade.
Esta Americanização da mobilidade faz de Portugal o segundo país da União Europeia mais dependente do carro nas suas deslocações, fazendo dos transportes a maior fatia das nossas emissões: 28%.
Para além da poluição, a Americanização da mobilidade aumenta a dependência externa pela importação do combustível, o que desequilibra a nossa balança comercial e nos coloca reféns de um cartel de estados autocráticos e violadores dos direitos humanos que têm a carteira dos europeus na mão devido a esta dependência. Recordemo-nos como no primeiro inverno depois da invasão da Ucrânia, estes países diminuíram a produção expondo a vulnerabilidade energética da Europa, de modo a inflacionar os lucros às custas da nossa dependência. Acabar com a dependência do automóvel impediria o deslocamento de milhões de euros gastos coletivamente em combustível para países autoritários, retendo essa riqueza na UE, em especial nos orçamentos das famílias e empresas.
Por outro lado, uma rede eficiente de transportes públicos, onde os funcionários sejam remunerados adequadamente por forma a evitar as greves (e quando as houver que haja reembolso aos passageiros) e de ciclovias de qualidade, poderia resultar num aumento de rendimento líquido disponível para muita gente com falta deste. A mobilidade suave eficiente pode ser uma solução para acelerar o aumento de rendimentos disponíveis tão necessário para fazer face ao aumento do custo de vida, permitindo a muita gente prescindir do carro e do seu custo ambiental e económico associado.
É hora de pôr a UE a combater o Greenwashing e a Americanização da mobilidade em Portugal
Enquanto candidato ao Parlamento Europeu pelo Volt, acredito que precisamos de colocar a legislação europeia a forçar políticos locais e nacionais a combater as alterações climáticas e, pelo menos, a cumprirem as suas próprias metas-promessa. Uma das propostas para isso é exigir a revisão de todos os contratos de concessão para rodovias financiadas por fundos europeus para alterar os critérios de alargamento como este do IC20 para que, em alternativa, sejam financiados os transportes públicos e a mobilidade ciclável, por forma a reduzir o tráfego, cancelar a necessidade de alargamento e, ao mesmo tempo, alcançar as metas de descarbonização previstas para todos os Estados Membros da União Europeia.