Com um brilho nos olhos, o Volt foi ao Martim Moniz abraçar o mundo inteiro
Numa arruada do Volt pelo Benformoso há imigrantes a trespassar flyers a outros. Antigos candidatos presidenciais, Ana Gomes e Tiago Mayan, aderem a um evento que celebrou a imigração.
Não é todos os dias que, com eleições à porta, se vê um não eleitor distribuir flyers a outro não eleitor. Nem é todos os dias que se repara que parte dos flyers estão escritos em bengali e hindi. Menos frequente ainda é — inédito, talvez — que seja um partido político a fazê-lo durante uma acção de pré-campanha para legislativas. O Volt, partido pan-europeu que quer entrar no Parlamento, fez uma arruada no Martim Moniz, em Lisboa, para tentar mostrar que os imigrantes são bondosos e gentis, e que se interessam pelo bem-estar de Portugal.
O roxo das bandeiras do partido entrou na rua estreita do Benformoso — pela qual a direita radical e a extrema-direita dizem que não se dever entrar, por ser muito “perigosa” — fazendo lembrar as procissões pascais. O desígnio que os levou à rua não está sequer longe do da Igreja: ajudar o próximo, servi-lo e promover a união entre os povos.
A rua não era uma mina de eleitores — pelo contrário —, mas ainda assim o Volt quis lá ir. O objectivo era claro: demonstrar à comunidade de imigrantes que, face às vozes extremistas que os querem expulsar do país, existem outras que os querem receber.
Talvez nenhum voto se tenha conquistado na arruada pelo Martim Moniz — mas muitas pessoas tiveram um dia melhor por conhecerem quem luta por si. Uma espécie de política humanitária despida de proveito eleitoral.
Em plena Rua do Benformoso, Hassan, 43 anos, vai de loja em loja a distribuir flyers do Volt. Fala em bengali com os seus pares, a quem apela que, a 10 de Março, votem “neste partido”, explicando-lhes como o devem fazer. Hassan diz que os tempos pedem “mais amizade” e revela que, já no Bangladesh, era politicamente activo.
Segue a arruada e, de loja em loja, de varanda em varanda, surgem cabecinhas a espreitar. Os imigrantes sorriem e aproximam-se do grupo, havendo quem peça parar tirar fotografias com a líder do partido, Inês Bravo Figueiredo, sempre sorridente e com os olhos feitos faróis. A quem assiste, os militantes do Volt insistem que se lhes junte: o espírito é de comunhão.
Uma vez que o Volt é um partido europeu, na comitiva vão também alguns militantes holandeses e alemães, sendo clara a distinção entre os pequenos latinos e os enormes nórdicos. Entre os últimos, Damian Boeselager, fundador do partido e deputado no Parlamento Europeu.
Ao PÚBLICO, Boeselegar diz que o Volt quer fomentar uma “sociedade aberta” e “lutar pela causa europeia”, em contraposição com os “cada vez mais fortes” extremismos da “AfD” e “Marine Le Pen”. Diz-se “confiante” na eleição de Bravo Figueiredo para o Parlamento português e, mais tarde, num discurso, defende que a pasta da imigração não deve estar sob tutela dos ministérios da “Administração Interna” europeus, mas sim dos da “Economia”.
Fair-play democrático
Krissna — de casaco encarnado e barba feita no dia — está radiante com a acção do partido. O grupo está a voltar à Praça do Martim Moniz quando, de repente, o nepalês salta para a sua frente e, com um sorriso rasgado, dirige-se-lhes: “Obrigado”, diz.
O irmão mais novo de Krissna fala um inglês perfeito. Tem headphones, calças largas e sapatilhas, estando vestido tal e qual um jovem lisboeta. Chegou a Portugal há um mês, tendo vindo à procura de um “futuro melhor”. Considera “muito boa” a acção do Volt, sobretudo face ao “aumento do discurso anti-imigração”. “Devemos ser tratados com igualdade e como humanos”, diz ao PÚBLICO.
Fixados já no Martim Moniz, sobe ao palco para discursar um professor de Hindi na Universidade de Lisboa, Shiv Kumar Singh. Singh é claro: “Os problemas dos portugueses são os problemas dos imigrantes — e se forem melhorados para os portugueses serão também melhorados para os imigrantes”. O público aplaude o professor.
Também Ana Gomes, antiga candidata presidencial e distinta militante do PS, discursa no evento: realça a natureza emigrante do povo português e diz que a política deve “servir” para ajudar estes imigrantes a “integrarem-se”. Por fim, num momento de fair-play democrático, diz que “será muito bom ver a Inês [Bravo Figueiredo] eleita para o Parlamento nacional”.
Tiago Mayan, fundador da Iniciativa Liberal, que foi candidato presidencial em 2021 com o apoio deste partido, também foi convidado a discursar: diz que ser imigrante é uma “circunstância da vida” e que não é definidor do que são estes homens e mulheres — “pais, mães, indivíduos” com as suas próprias histórias. “A imigração garante que Portugal não morrerá com o Inverno demográfico”, acrescenta.
Após os discursos dos dirigentes do partido — nacionais e europeus, em inglês e português — fechou-se o dia na Praça do Martim Moniz. O céu escurece e na praça só resta uma luz: a dos olhos daquela gente, cujo brilho ainda quer mudar o mundo.