Gaza: o contexto
Como colapsou o cessar-fogo?
Após meses de negociações durante a brutal guerra em Gaza, entrou em vigor um cessar-fogo entre Israel e o Hamas no dia 19 de janeiro de 2025. A primeira fase deste cessar-fogo, uma troca mútua de prisioneiros, destinava-se a conduzir a uma segunda fase que implicava a libertação dos restantes reféns e um cessar-fogo permanente. Isto permitiu que fornecimentos essenciais finalmente chegassem aos dois milhões de habitantes de Gaza.

O Hamas humilhou publicamente os reféns antes da sua libertação, provocando o governo israelita e continuando o ciclo de violência. Trump sugeriu o deslocamento permanente dos habitantes palestinianos de Gaza, o que constituiria uma violação do direito internacional e uma forma de limpeza étnica. Propôs ainda uma tomada de controlo dos EUA sobre Gaza, com soldados se necessário, chegando a brincar com a ideia de transformá-la em propriedade imobiliária, com a reconstrução paga pelos países vizinhos.
Os EUA, depois, propuseram unilateralmente rever os termos do cessar-fogo, excluindo a retirada das forças israelitas de Gaza. Para impedir a passagem à segunda fase do cessar-fogo, Israel reimpôs um bloqueio total a Gaza a 2 de março, para aumentar a pressão, cortando também toda a eletricidade. A falta de alimentos e produtos médicos essenciais causou mortes evitáveis. Depois, a 18 de março, Israel lançou novos ataques sobre Gaza. As tentativas de restaurar o cessar-fogo, incluindo uma visita recente do Presidente francês Macron ao Cairo com os líderes do Egito e da Jordânia, não produziram resultados até agora.
A ligação com os ataques de Netanyahu à democracia em Israel
Netanyahu tenta apresentar a última escalada como uma forma de defesa dos reféns. Mas esta não é a opinião dominante em Israel, onde a sociedade está profundamente dividida. O Fórum de Famílias de Reféns e Desaparecidos acusou o governo de "uma completa farsa" por ter abandonado um acordo "que poderia ter trazido todos para casa".
Netanyahu enfrenta crises legais e políticas internas, consequência das suas tentativas de destruir o Estado de Direito em Israel. Apenas protestos em massa no ano passado conseguiram travar uma controversa reforma do sistema judicial. Mas ele está agora a tentar destruir os últimos bastiões da independência legal e da liberdade de imprensa em Israel. A continuação da violência em Gaza dá-lhe argumentos para consolidar ainda mais o seu poder. Todos os passos nesta deriva autoritária devem ser revertidos.
Só na última semana, tentou demitir o chefe da agência de segurança interna Shin Bet, orquestrou uma moção de censura contra a procuradora-geral, e aprovou uma lei que altera a forma como são feitas as nomeações para o Supremo Tribunal. O governo também sancionou o respeitado jornal crítico do governo Haaretz. O partido de extrema-direita Poder Judaico anunciou que regressará à coligação, incluindo o ex-ministro Itamar Ben Gvir.
Está a ser cometido genocídio?
A 21 de novembro, a Câmara Pré-Julgamento do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de captura contra o Primeiro-Ministro israelita Benjamin Netanyahu e o Ministro da Defesa Yoav Gallant, por crimes contra a humanidade e crimes de guerra, incluindo o uso deliberado da fome como arma contra civis. Foram também emitidos mandados contra líderes do Hamas entretanto falecidos. Isto impõe uma obrigação a todos os Estados-Membros da UE, e a outros signatários do Estatuto de Roma, de prender esses indivíduos e cortar todo o contacto não essencial. A Europa tem uma responsabilidade histórica especial na defesa dos direitos humanos. Por isso, o facto de a Hungria ter saído do Tribunal Penal Internacional e dado um palanque a Netanyahu numa capital europeia, e de políticos de destaque na Polónia, Alemanha, França, entre outros, terem levantado dúvidas sobre o cumprimento dos mandados de captura, é vergonhoso.
Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, mais de 1.700 israelitas e mais de 50.000 palestinianos — incluindo mais de 15.000 crianças palestinianas — foram dados como mortos. Uma catástrofe humanitária está em curso. Em janeiro, o Tribunal Internacional de Justiça considerou plausível que Israel tenha cometido atos que violam a Convenção sobre o Genocídio. Desde então, as medidas provisórias impostas pelo Tribunal de Justiça Internacional para prevenir o genocídio foram amplamente ignoradas por Israel. Historicamente, a certeza legal plena só chega depois de os crimes contra a humanidade já terem ocorrido, mas todos os intervenientes têm o dever de instar o governo israelita a cumprir essas medidas - porque é plausível que esteja a ser cometido genocídio. O incumprimento de Israel é inaceitável, e a resposta da maioria dos governos europeus e da Comissão Europeia tem sido ridiculamente mínima em termos de palavras, que vêm acompanhadas de uma total ausência de ação. O Conselho dos Direitos Humanos da ONU concluiu recentemente que há motivos razoáveis para acreditar que o limiar de genocídio foi atingido por Israel.
Que crimes de direito internacional estão a ser cometidos?
Israel afirma repetidamente que há "membros do Hamas ou centros de comando" nos locais onde são registadas vítimas civis — sem fornecer provas. Ao mesmo tempo, investigações internacionais e independentes não são permitidas, e os jornalistas estão impedidos de entrar em Gaza. Mais de 200 jornalistas foram mortos em Gaza, muitas vezes deliberadamente visados pelas forças israelitas. No dia 23 de março, as forças israelitas mataram 15 trabalhadores humanitários e paramédicos, tentando depois encobrir o incidente ao enterrá-los numa vala comum. Esta é uma violação inaceitável do direito humanitário internacional que deve ser fortemente condenada pelo Conselho Europeu. Exigimos uma investigação internacional independente. Se Israel se recusar a cooperar, devem ser impostas sanções adicionais.
Funcionários do Tribunal Penal Internacional (TPI), incluindo o Procurador-Chefe, foram alvo de intimidação por parte dos serviços de informação israelitas. O governo dos EUA também sancionou o TPI. O governo israelita declarou o Secretário-Geral da ONU como persona non grata e tem promovido uma campanha de deslegitimação contra a UNRWA (a única agência com capacidade para fornecer ajuda substancial no terreno - Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente), alegando que se trata de uma organização terrorista, contribuindo para o agravamento da catástrofe humanitária em curso.
O Tribunal Internacional de Justiça, no seu parecer consultivo de 2024, concluiu que a ocupação israelita dos territórios palestinianos constitui discriminação sistémica e viola o Artigo 3 da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que proíbe a segregação racial e o apartheid. A ocupação ilegal também impede a criação de um Estado Palestiniano legítimo e funcional.
Israel também violou um cessar-fogo no Líbano, com as suas forças a dispararem repetidamente sobre as forças da UNIFIL. Está ainda a ocupar ilegalmente partes da Síria, tendo expandido uma zona tampão previamente definida após a queda do regime de Assad. Isto dificulta o estabelecimento de uma governação democrática, inclusiva e eficaz em toda a Síria, desestabilizando ainda mais uma economia frágil precisamente quando a reconstrução é mais necessária.
Em resumo: ninguém deve estar acima da lei
Face à situação atual, à ausência de uma estratégia coordenada por parte da UE e do Ocidente em geral, a legitimidade e eficácia de um sistema jurídico internacional independente — o pilar da ordem multilateral do pós-guerra — está em risco.
Falhar na aplicação das decisões do sistema de direito internacional que a Europa ajudou a fundar seria uma traição aos valores que defendemos. Também criaria um perigoso precedente global, num mundo cada vez mais marcado por atores que acreditam que “a força faz o direito” e onde relações fortes com o Sul Global são essenciais para enfrentar os inúmeros desafios transnacionais. Apenas uma solução política sustentável, apoiada por israelitas e palestinianos, que conduza à convivência pacífica de dois Estados, poderá proporcionar um futuro seguro, democrático e justo para todas as comunidades afetadas por esta guerra horrível.
Isto só pode ser conseguido com uma justiça justa e independente. Porque ninguém está acima da lei.
A nossa posição em evolução:
O massacre de 7 de outubro foi um terrível ataque terrorista do Hamas, parte de um conflito com mais de uma década na região que desencadeou uma guerra regional mais ampla. Muita coisa aconteceu desde então. Esse ciclo de violência tem de ser finalmente quebrado. Abaixo encontra-se a posição da Volt tal como foi evoluindo ao longo da guerra.
O Volt tem acompanhado atentamento o conflito. Lê aqui as nossas diversas posições:
13 outubro 2023: https://volteuropa.org/news/20231013-war-israel-hamas
9 novembro 2023: https://volteuropa.org/news/one-month-of-war-civilians-pay-the-price-this-cannot-go-on
22 dezembro 2023: https://volteuropa.org/news/20231222-gaza-war
18 março 2024: https://volteuropa.org/news/20240318-support-aid-to-gaza
25 maio 2024: https://volteuropa.org/news/upholding-international-justice
8 agosto 2024: https://volteuropa.org/news/volt-europa-on-the-current-escalation-in-the-middle-east
11 agosto 2024: https://volteuropa.org/news/the-eu-can-no-longer-stand-aloof-when-it-comes-to-israeli-occupation-policies
4 outubro 2024: https://voltportugal.org/noticias/a-guerra-esta-a-espalhar-se-no-medio-oriente
7 outubro 2024: https://volteuropa.org/news/one-year-after-the-terrorist-attacks-on-israel-choosing-the-side-of-human-rights
17 outubro: https://voltportugal.org/noticias/posicionamento-sobre-o-conflito-no-medio-oriente
30 outubro 2024: https://volteuropa.org/news/hope-and-action-a-dialogue-on-israel-palestine-between-volt-and-standing-toegther
5 dezembro 2024: https://www.instagram.com/p/DDMv82LCdBf/?img_index=1