São os transportes públicos e as bicicletas que eliminam a dependência do carro
Enquanto o OE2024 não colocar os transportes públicos e as bicicletas como alternativa segura e fiável, incluindo fora das grandes cidades, as pessoas não terão outra opção senão conformar-se ao carro.
A mobilidade é um dos setores com atraso crónico em Portugal, principalmente quando comparada com outros países europeus. Este cenário agrava-se ainda mais fora de Lisboa e Porto, onde a realidade do transporte público é na maioria das vezes ausente, pouco fiável e pouco frequente.
É imperativo resolver pela raiz o problema da dependência do carro causado pela desadequação crónica dos transportes públicos. O primeiro passo a dar, já no OE 2024, é iniciarmos uma trajetória de capacitar em frequência, tempo de viagem e conforto (sem sobrelotação nas viagens) a rede de TP de acordo com a procura que os compromissos climáticos preveem e não com base na procura atual, tornando-o altamente competitivo face ao carro.
Este investimento traz diversas vantagens fundamentais para Portugal:
- Redução de importações, maior autonomia estratégica e menor dependência energética de países terceiros, na maioria autocracias instáveis: o exemplo da subida do preço do combustível em 2022, num momento de crise energética na Europa foi uma prova de como precisamos de nos libertar dos combustíveis rapidamente;
- Mais rendimento líquido disponível para famílias, empresas e economia;
- Descarbonização e combate às alterações climáticas. Menos emissões, mais qualidade do ar, mais espaço urbano, menos stress e melhores níveis de qualidade de vida.
O OE para 2024 não contribui para relançar a mobilidade sustentável e, por conseguinte, aumentar também os rendimentos dos portugueses. Existem aspetos positivos como o alargamento do Passe Social+ a todo o território, bem como a inclusão de desempregados de longa duração e pessoas com incapacidade.
Contudo, vemos uma falta de prioridade no combate à dependência do carro, a principal fonte de emissões de CO2 em Portugal e uma das despesas crescentes nos orçamentos familiares.
O governo continua com medidas iguais às dos anos 2000, de aumentar IUC na esperança de reduzir emissões sem retirar carros de circulação. Esta medida agrava desigualdades e penaliza a posse do carro, em vez da frequência do seu uso. Até termos alternativas fiáveis, estamos a encarecer a mobilidade, alimentar desigualdades prevalentes sem grande benefício para o planeta.
A medida de incentivo de abate a veículos pré-2007, fica também aquém das expectativas. Sem alternativas presentes em TP, este incentivo é essencialmente um subsídio ao transporte individual. Esta verba de €120 milhões seria melhor aplicada no investimento em TP por exemplo, equivalente a 14 novas estações de metro de superfície no Porto ou reabrir a linha Beja-Funcheira e ligar o Alentejo ao Algarve, diminuindo o tempo de viagem de cinco para duas horas.
Que OE2024 precisamos para relançar os Transportes Públicos?
A nível nacional, é preciso uma visão de mobilidade em rede, e não em “corredores” que ignoram as pessoas que se encontram fora destes.
É preciso começar a calendarizar nos próximos OE projetos de mobilidade fundamentais e estruturais que ainda não têm execução à vista. Projetos como: a ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura em Lisboa, e de ligar a Linha do Oeste diretamente a Lisboa via Loures; avançar com a terceira travessia do Tejo em formato ferroviário, servindo Barreiro, Seixal e Montijo e acelerar a ligação em Alta Velocidade ao Sul, Espanha e resto da Europa. Precisamos ligar as Linhas do Norte e Oeste via Ourém-Fátima-Batalha-Leiria; fechar o quadrilátero ferroviário do Minho, ligando Braga a Guimarães. Conectar Viseu, a maior cidade europeia sem comboio e começar o estudo sobre uma verdadeira solução ferroviária para o Norte, conectando Porto, Vila Real, Bragança e Espanha.
Nos centros urbanos, um planeamento urbano de qualidade é urgente, tendo em conta a necessidade de aumentar a oferta de habitação. É preciso um planeamento orientado ao transporte público (, a par com o modelo de Viena), e não alheio a este, de modo a evitar remendos posteriores custosos (como acontece agora). É preciso não esbanjar mais dinheiro a alargar mais estradas, como se viu o recente exemplo do IC20 em Almada e reforçar os TP para travar o aumento do uso do carro nestes trajetos. É fulcral uma reformulação da conectividade dentro das cidades, que potenciem os transportes públicos, cicláveis e pedonais, com vias dedicadas para estes. Precisamos de uma intermodalidade com as estações de comboio que funcione e que não exija carro para lá se chegar. Finalmente, à semelhança de 2023, o governo alocou um valor anedótico para a mobilidade pedonal e ciclável em 2024, quando por exemplo comparado com a Irlanda que, com metade da população portuguesa, decidiu investir esse valor (1 milhão de euros) por dia na mobilidade ativa.
Se Portugal quer cumprir as metas climáticas, atingir uma economia competitiva e elevados padrões de qualidade de vida, a par com o Norte da Europa, precisa de um verdadeiro renascimento de transportes, e de um OE que o reflita. Um orçamento visionário, sem derrapagens, e com utilização eficiente de fundos.
Estamos prontos para um debate construtivo sobre o futuro da mobilidade sustentável em Portugal e precisamos urgentemente que a realidade da mobilidade em Portugal deixe de depender do carro e das suas emissões e despesas.