Não nos empurrem para o fim da Primeira República
Precisamos que os atuais protagonistas (PS e PSD) deixem de lado as guerras de curto prazo e considerem fazer tréguas por algo maior, em concordância com a vontade do povo (exercida há um ano apenas).

Estamos em 2025 mas mais parece que voltámos a 1925. Num dos momentos mais perigosos da história da Europa dos últimos 80 anos, os protagonistas democratas da Terceira República, em conjunto com o Presidente da República, decidem que é altura de brincar à Primeira República. Só faltava em 2026 elegermos um militar para Belém…
Se há uma ideia que marca a Primeira República (1910-1926) é a da instabilidade política. Portugal teve 45 governos em 16 anos, uma média de menos de um governo por ano. Atualmente, entre 2019 e 2025, o Parlamento e o Presidente da República preparam-se para nos sujeitar a quatro eleições legislativas em menos de seis anos, cada governo com uma duração cada vez menor. Durante a Primeira República, os escândalos de corrupção e clientelismo dos vários governos fizeram crescer a desconfiança não só em relação à classe política mas também quanto ao regime democrático. Sentimentos que foram progressivamente legitimando projetos políticos anti-sistema, aliados à ideia de que o país precisava de “um líder forte” (a mesma ideia de "salvador da pátria" que já paira para eleger para Belém em 2026).
É fácil identificar os paralelismos e a repetição dos mesmos erros. O fracasso desta classe política resultou no golpe de Estado de 28 de maio de 1926, que deu origem ao Estado Novo que, como sabemos, só foi possível reverter quase 50 anos depois.
Os erros da Primeira República devem ser aprendizagens para o futuro democrático de Portugal.
Cinquenta anos depois do 25 de abril, uma jovem deputada do Chega (Rita Matias) termina a sua intervenção na Assembleia da República assinalando a instabilidade política como sinal de “podridão” da Terceira República. Este é mais um momento que deve acordar PS e PSD para as suas responsabilidades democráticas.
Se não há dúvidas sobre as intenções antidemocráticas do Chega, também as não deve haver sobre a incapacidade de PS e PSD, bem como sobre as suas consequências. Enquanto os portugueses não escolherem outras forças do espaço democrático para protagonizar a alternância própria do nosso regime, e enquanto o PS e o PSD não deixarem de lado os seus golpes palacianos, continuaremos a ver gorada a aspiração democrática que caracteriza o povo português. Aspiração essa de muitos jovens, sobretudo, que sonham com um Portugal com os padrões de prosperidade económica do resto da UE. Aspiração essa frustrada quando os votos de protesto levam à ascensão de forças antidemocráticas.
Precisamos, portanto, de um voto que traga novos protagonistas ao espaço democrático, que traga políticos responsáveis, e que deixe pelo caminho os “engenheiros do caos”.
Os tempos que vivemos fazem-nos ter medo. Medo de um futuro próximo menos democrático ou até autoritário. Medo de enfraquecermos os nossos valores humanistas e democráticos perante a legitimação de projetos políticos antidemocráticos. O perigo é que estas forças populistas não só revertam o que conquistámos até agora, como nos deixem ainda mais vulneráveis às ameaças externas, que são, também, muito reais, nos planos militar e digital. Por exemplo, não há eleições na Europa nos últimos anos que não tenham tido tentativas de interferência externa. Estas sempre com ligações a Putin que só tem a ganhar com o enfraquecimento do projeto europeu.
Ao contrário do que dizem os protagonistas do PS e do PSD, estes são tempos para nos pouparmos a eleições. Obviamente que a democracia funciona com eleições e isso não deve mudar. No entanto, se vivemos num momento histórico de crescimento de forças antidemocráticas, quanto mais respeitarmos a duração prevista dos mandatos, mais demorado e mais difícil será o crescimento dessa ameaça. Não é ter medo da democracia e muito menos da soberania do povo. É preservar a democracia e o povo dos impulsos populistas e manipuladores que sabemos estarem a subverter o normal funcionamento da democracia contra ela própria.
Se vivemos num momento histórico de crescimento de forças antidemocráticas, quanto mais respeitarmos a duração prevista dos mandatos, mais demorado e mais difícil será o crescimento dessa ameaça
Por outro lado, a instabilidade política e o constante precipitar de eleições influenciam também os compromissos e investimentos externos, sem dar tempo para líderes governarem, apesar do muito trabalho que há a fazer para aproximar Portugal do melhor da União Europeia.
Estamos mais unidos e conscientes do que possamos acreditar. Queremos democracia, queremos estabilidade, queremos eleições no seu devido tempo, queremos lisura no exercício de cargos públicos, queremos prosperidade e convergência com o melhor da União Europeia.
Para isso precisamos que os atuais protagonistas (PS e PSD) deixem de lado as guerras de curto prazo e considerem fazer tréguas por algo maior e em concordância com a vontade do povo (exercida há um ano apenas).
Na sua devida hora, precisamos de não repetir os erros do passado, e de eleger uma nova geração de políticos e, entretanto, precisamos de a ir educando e formando para a cidadania e para o compromisso com a comunidade.
É preciso reformar a democracia e reforçar a voz dos cidadãos bem como dar garantias de acesso à informação sem viés nem manipulação.
É preciso reformar a democracia, retirar-lhe os vícios e inconstitucionalidades a que já nos habituámos (ou nos habituaram) e que nos trouxeram a este limiar de 2025 que mais parece o dealbar de 1925.
Duarte Costa, co-Presidente do Volt Portugal
6 de Março de 2025, 18:03
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico