CNE confirma inconstitucionalidade na exclusão de partidos de debates televisivos para as Europeias

ERC ignora parecer da CNE e defende televisões sobrepondo à Constituição um diploma legal alvo de críticas.

Volt Portugal apresenta denúncia à Comissão Europeia por não garantir os princípios constitucionais e do direito europeu de igualdade entre candidaturas nas eleições Europeias.

23 de mai de 2024
Debate Europeias

As eleições europeias deste ano contam com um inédito que está a gerar problemas ao nível das decisões editoriais respeitantes à cobertura jornalística por parte das televisões portuguesas: pela primeira vez em Portugal há um partido europeu a concorrer a eleições europeias. Esse partido é o Volt. Isto significa, entre outros aspetos, que há um partido com assento parlamentar no Parlamento Europeu sem assento parlamentar na Assembleia da República. Segundo a Lei 72A/2015, que estabelece o regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral, é explícito que devem ser convidados para os debates televisivos os partidos com assento parlamentar no órgão para o qual a eleição se destina.

Duarte Costa, co-presidente do Volt e cabeça de lista do partido às eleições de 9 de junho, explica que "é da natureza do Parlamento Europeu e dos partidos europeus terem eleitos com origem em múltiplos países. O espírito da Lei 72A-2015 procura incluir todos os partidos que já lograram representação no Parlamento Europeu, terem acesso aos debates de maior visibilidade. O Volt, sendo um partido europeu que concorre em múltiplos países com o mesmo programa eleitoral, ao abrigo da lei portuguesa, não pode ser excluído. Se este inédito já não fosse, em si, e dentro de critérios jornalísticos sérios e independentes, motivo de cobertura editorial, o diferencial da qualidade e aprofundamento do programa do Volt é abissal para a totalidade dos programas eleitorais dos partidos nacionais portugueses. Excluir o Volt dos debates de maior visibilidade, para além de injusto e contrário à lei, revela uma degradação de critérios editoriais que se pautem pela qualidade e pluralidade de informação. A democracia portuguesa degrada-se, não só com extremistas e políticos tradicionais frouxos, mas também com diretores de informação que abandonaram o seu compromisso jornalístico com informação de qualidade, independente e plural. Não podemos aceitar que sejam estas pessoas a determinar os resultados eleitorais, em virtude de uma desigualdade de cobertura e visibilidade flagrante que dão às diferentes candidaturas. Esta é uma realidade inconstitucional como tem confirmado a CNE repetidas vezes face a inúmeras queixas que tem recebido neste sentido".

O partido europeu confirma que, desde abril, iniciou de forma construtiva, uma comunicação com as televisões de forma a aferir que entendimento teriam da lei, no que diz respeito à integração do Volt nos debates em apreço. A ausência sistemática de resposta por parte da RTP, SIC, TVI/CNN e CMTV levaram o Volt a apresentar queixa à CNE assim que o calendário de debates foi divulgado. A CNE apresentou um parecer favorável referindo um exercício da liberdade editorial destes órgãos de comunicação social à margem dos comandos constitucionais, sugerindo um tratamento diferenciado das candidaturas sem fundamento constitucional. A CNE encaminhou para a ERC, que se pronunciou apenas ontem, já depois da realização da maioria dos debates televisivos.

"É à ERC, enquanto regulador, que cabe corrigir uma situação inconstitucional, já confirmada pela CNE. Esta irregularidade foi causada pelos órgãos de comunicação social e, portanto, exige a intervenção de um regulador com a capacidade, rigor e independência para agir em proporção da gravidade do que está em jogo", afirma Duarte Costa. "A ERC deu precedência a uma lei, que repetidamente refere que precisa de ser revista, e não à Constituição e à Lei Eleitoral que rege estas eleições e que obriga ao princípio constitucional de igualdade entre candidaturas, o qual é apontado pela CNE como estando a ser violado por parte das televisões visadas. Para além de ser um erro jurídico grosseiro sobrepor um diploma legal à Constituição, expõe um problema sério de falta de independência do regulador, que neste caso, põe em causa a garantia de constitucionalidade deste ato eleitoral", acrescenta o cabeça de lista do Volt.

Por outro lado, de acordo com o previsto na Lei Eleitoral do Parlamento Europeu, cujas disposições estão na dependência do aplicável na Lei Eleitoral da Assembleia da República, "havendo já prova confirmada de violação dos princípios constitucionais e legais confirmados pela CNE, em última instância pode haver recurso junto do Tribunal Constitucional de um resultado eleitoral adulterado em razão do desrespeito das normas constitucionais e legais. Nesse cenário, este Tribunal pode decidir pela repetição deste ato eleitoral, como foi o caso nas eleições legislativas de 2022, em resultado do recurso apresentado pelo Volt na altura".

"Esta é uma situação muito grave e que precisamos de evitar a todo o custo. Tratando-se do Parlamento Europeu, que ficaria impedido de iniciar os seus trabalhos sem o apuramento dos mandatos dos eurodeputados portugueses, ficaria também em suspenso a aprovação pelo Parlamento do novo mandato da Comissão Europeia, como resultado da inação ou intervenção insuficiente do Estado português, na função da ERC, em garantir um pilar básico de uma democracia: a realização de eleições livres e com garantias de igualdade entre candidaturas. Não quero imaginar um cenário em que a degradação da democracia e do Estado de Direito português possa significar tamanho impacto no funcionamento da União Europeia e na vida de 450 milhões de europeus", revela Duarte Costa.